quarta-feira, 15 de junho de 2011

Acaso são estes os sítios formosos (Marilia de Dirceu) de Tomas Antonio Gonzaga

Acaso são estes
Os sítios formosos.
Aonde passava
Os anos gostosos?
São estes os prados,
Aonde brincava,
Enquanto passava
O gordo rebanho,
Que Alceu me deixou?

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Daquele penhasco
Um rio caía;
Ao som do sussurro
Que vezes dormia!
Agora não cobrem
Espumas nevadas
As pedras quebradas;
Parece que o rio
O curso voltou

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Meus versos alegre
Aqui repetia:
O eco as palavras
Três vezes dizia,
Se chamo por ele,
Já não me responde;
Parece se esconde,
Casado de dar-me
Os ais, que lhe dou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Aqui um regato
Corria sereno
Por margens cobertas
De flores, e feno:
À esquerda se erguia
Um bosque fechado,
E o tempo apressado,
Que nada respeita,
Já tudo mudou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Mas como discorro?
Acaso podia
Já tudo mudar-se
No espaço de um dia?
Existem as fontes,
E os freixos copados;
Dão flores os prados,
E corre a cascata,
Que nunca secou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Minha alma, que tinha
Liberta a vontade,
Agora já sente
Amor, e saudade,
Os sítios formosos me agradaram,
Ah! Não se mudaram;
Mudaram-se os olhos,
De triste que estou.

São estes os sítios?
São estes; mas eu
O mesmo não sou.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.

Tem pesado semblante, a cor é baça (Cartas Chilenas) de Tomas Antonio Gonzaga

Tem pesado semblante, a cor é baça,

o corpo de estatura um tanto esbelta,

feições compridas e olhadura feia;

tem grossas sobrancelhas, testa curta,

nariz direito e grande, fala pouco

em rouco, baixo som de mau falsete;

sem ser velho, já tem cabelo ruço,

e cobre este defeito e fria calva

à força de polvilho que lhe deita.

Ainda me parece que o estou vendo

no gordo rocinante escarranchado,

as longas calças pelo embigo atadas,

amarelo colete, e sobre tudo

vestida uma vermelha e justa farda.

Oh retrato da morte, oh noite amiga de Bocage

Oh retrato da morte, oh noite amiga
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha do meu pranto,
Des meus desgostos secretária antiga!

Pois manda Amor, que a ti somente os diga,
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a delirar me obriga:

E vós, oh cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!

Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar meu coração de horrores.

Nascemos para amar: a Humanidade de Bocage

Nascemos para amar; a humanidade

Vai tarde ou cedo aos laços da ternura:

Tu és doce atractivo, ó formusura,

Que encanta, que seduz, que persuade.



Enleia-se por gosto a liberdade;

E depois que a paixão n'alma se apura

Alguns então lhe chamam desventura,

Chamam-lhe alguns então felicidade.
Qual se abismou na lôbregas tristezas,

Qual em suaves júbilos discorre,

Com esperanças mil na ideia acesas.
Amor ou desfalece, ou pára, ou corre;

E, segundo as diversas naturezas,

Um porfia, este esquece, aquele morre.

Torno a ver-vos, ó montes de Claudio Manuel da Costa

Torno a ver-vos, ó montes; o destino
Aqui me torna a pôr nestes oiteiros;
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da Côrte rico, e fino.

Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Vendo correr os míseros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.

Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
Que da cidade o lisonjeiro encanto;

Aqui descanse a louca fantasia;
E o que té agora se tornava em pranto,
Se converta em afetos de alegria.

Ornemos nossas testas com as flores de Tomas Antônio Gonzaga

Ornemos nossas testas com as flores e façamos de feno um brando leito. Prendamo-nos, Marília, em laço estreito, gozemos do prazer de sãos amores. Sobre as nossas cabeças, sem que o possam deter, o tempo corre: e para nós, o tempo que se passa, também, Marília, morre.

A grande César, cujo nome voa de Tomas Gonzaga da Costa

Alexandre, Marília, qual o rio,
Que engrossando no inverno tudo arrasa,
Na frente das coortes
Cerca, vence, abrasa
As cidades mais fortes.
Foi na glória das armas o primeiro;
Morreu na flor dos anos, e já tinha
Vencido o mundo inteiro.

Mas este bom soldado, cujo nome
Não há poder algum, que não abata,
Foi, Marília, somente
Um ditoso pirata,
Um salteador valente.
Se não tem uma fama baixa, e escura,
Foi por se pôr ao lado da injustiça
A insolente ventura.

O grande César, cujo nome voa,
À sua mesma Pátria a fé quebranta;
Na mão a espada toma,
Oprime-lhe a garganta,
Dá Senhores a Roma.
Consegue ser herói por um delito;
Se acaso não vencesse, então seria
Um vil traidor proscrito.

O ser herói, Marília, não consiste
Em queimar os Impérios: move a guerra,
Espalha o sangue humano,
E despovoa a terra
Também o mau tirano.
Consiste o ser herói em viver justo:
E tanto pode ser herói pobre,
Como o maior Augusto.

Eu é que sou herói, Marília bela,
Segundo da virtude a honrosa estrada:
Ganhei, ganhei um trono,
Ah! não manchei a espada,
Não roubei ao dono.
Ergui-o no teu peito, e nos teus braços:
E valem muito mais que o mundo inteiro
Uns tão ditosos laços.

Aos bárbaros, injustos vencedores
Atormentam remorsos, e cuidados;
Nem descansam seguros
Nos palácios cercados
De tropa, e de altos muros.
E a quantos nos não mostra a sábia história
A quem mudou o Fado em negro opróbrio
A mal ganhada glória.

Eu vivo, minha Bela, sim, eu vivo
Nos braços do descanso, e mais do gosto:
Quando estou acordado
Contemplo no teu rosto
De graças adornado:
Se durmo, logo sonho, e ali te vejo.
Ah! nem desperto, nem dormindo sobe
A mais o meu desejo.